Disponível em: http://pt.scribd.com/doc/34992931/Emilio-Rousseau
Helder José Freitas de Lima
Ferreira
Maria Aparecida Nascimento da Silva
Maria da Conceição da Silva
Cordeiro
Resumo: O presente artigo condensa reflexões sobre a obra
Emílio de Jean Jacques Rousseau, em que se evidenciam as mudanças que podem
ocorrer no processo educativo. Busca analisar o homem enquanto ser político
livre, contrapondo-se às experiências educativas dogmáticas que tendem a
manipular o indivíduo. A educação, para Rousseau, está associada à liberdade, à
igualdade e à fraternidade e tem como eixo norteador o desenvolvimento do
aprendizado a partir da realidade e das experiências dos indivíduos.
Palavras-chave: Educação. Políticas Públicas. Qualidade.
Ensino-Aprendizado.
Introdução
O
presente artigo condensa algumas reflexões sobre a concepção de educação em
Rousseau (1712-1778), tendo como referência uma de suas principais obras,
denominada Emílio. A obra retrata a experiência vivida no campo por um garoto
durante seu processo de formação, em que a educação, enquanto elemento básico
seria uma condição de possibilidades para a manutenção do direito coletivo,
tendo em seu caráter integral e homogêneo a essência de um aprendizado difuso e
que deveria estar ao alcance de todos.
Para
Rousseau, a função da educação se caracterizava por uma concepção de mundo
baseada na igualdade, no respeito ao indivíduo, não impondo a este nenhum
padrão institucional de aprendizado que o moldasse ao ambiente social vigente.
A educação deveria ser desenvolvida no cotidiano dos afazeres laborais, sem
restrições ou métodos preestabelecidos. A liberdade e a igualdade, propostas no
método de Rousseau, evidenciavam o sonho de construir uma sociedade democrática
que só poderia ser concretizada com o desenvolvimento de uma educação plena.
No
entanto, Rousseau estava ligado intimamente ao fenômeno do Iluminismo que, por
sua vez, estava ligado aos interesses da burguesia em ascensão. Tal
relação teve como consequência o surgimento da divisão de classes e sua
evolução nas diversas sociedades. Então a educação passou a ser organizada com
o objetivo de atender as classes dirigentes, tornando-se um instrumento com
condições fundamentais para reafirmar a sua existência.
Nesse
contexto, a educação passou a funcionar como um investimento privado de uma
determinada classe social, perdendo a sua importância como elemento de um
projeto que objetivava a defesa do interesse de todos numa sociedade. Porém, a
divisão social do trabalho, provocada pelas diferenças entre as classes
sociais, fez com que as massas, por estarem cada vez mais excluídas dos meios
de produção, buscassem o acesso à educação, de forma a contraporem-se às
ideologias de dominação às quais estavam submetidas em todo o seu processo
histórico. Ressalta-se que a luta proletária pela educação foi um processo
lento, sendo que foi expressivo em alguns contextos históricos como os que marcaram
as grandes revoluções, tendo como exemplo a Revolução Francesa e a Revolução
Russa, inspiradas nas ideias de Rousseau.
As
reflexões lançadas no presente artigo fazem menção às inovadoras propostas de
Rousseau sobre uma pedagogia democrática centrada na liberdade, na igualdade e
na fraternidade, ou seja, o processo de ensino-aprendizagem tem como eixo
norteador uma relação dialógica que permite desenvolver conteúdos vinculados
aos interesses reais dos alunos, métodos que proporcionem o desenvolvimento das
competências e habilidades do educador e do educando, diagnosticando seus
avanços e dificuldades, tendo em vista o processo pedagógico qualitativo.
A
concepção de educação de Rousseau
O
Iluminismo não é o objeto de estudo deste trabalho, mas não tem sentido
refletir sobre Rousseau sem esclarecer que o maior movimento de massas do
século XVIII foi de caráter político, econômico e ideológico. Ele é a marca do
moderno, pois criticou várias concepções medievais em política (criando os Três
Poderes), direito (consolidação da propriedade privada), filosofia
(racionalismo e empirismo) e contestou boa parte do poder da Igreja ao
questionar a monarquia, seu maior braço político, ainda que até a ascensão e
queda de Napoleão Bonaparte. A lâmina da guilhotina caindo sobre a cabeça de
Luís XVI e de Maria Antonieta foi o símbolo da Revolução Francesa e da ascensão
da burguesia ao poder na França. De acordo com Gadotti,
Entre os iluministas destaca-se Jean-Jacques Rousseau que inaugurou uma
nova era na história da educação. Ele se constitui no marco que divide a velha
e a nova escola. Suas obras com grande atualidade são lidas até hoje. Entre
elas citamos Sobre a desigualdade entre os homens, O contrato social e Emílio.
Rousseau resgata primordialmente a relação entre a educação e a política.
Centraliza, pela primeira vez, o tema da infância na educação. A partir dele a
criança não será mais considerada um adulto em miniatura; ela vive em um mundo
próprio que é preciso compreender: o educador para educar deve fazer-se educando
de seu educando; a criança nasce boa, o adulto, com sua falsa concepção da
vida, é que perverte a criança (2005, p. 86).
Rousseau,
filósofo, ligado ao Iluminismo francês, reivindicava os direitos individuais e,
consequentemente civis, para a burguesia. Embora não estivesse preocupado com
as classes mais pobres, sua ideologia, de certa forma, também resultou em
benefícios a esta. Apesar de propor-se a viver pobre e tendo uma vida simples,
Rousseau esteve, quando adulto, ligado a pessoas ricas, sendo até mesmo
secretário da embaixada da França em Veneza. Foi este novo mundo que permitiu surgirem
pensadores como Rousseau. Em relação à didática, a proposta de Rousseau é
inédita porque torna a criança o centro da educação, tal como nunca antes ela
fora.
Não se conhece a infância; no caminho das falsas idéias que se têm,
quanto mais se anda, mais se fica perdido. Os mais sábios prendem-se ao que aos
homens importa saber, sem considerar o que as crianças estão em condições de
aprender. Procuram sempre o homem na criança, sem pensar no que ela é antes de
ser criança (ROUSSEAU, 2004, p. 4).
Segundo o
próprio autor na obra Emílio ou da Educação, “tudo está bem quando sai das mãos
do autor das coisas, tudo degenera entre as mãos do homem” (2004, p. 7).
Portanto a educação do aluno imaginário “Emílio”, rico e órfão, é inspirada na
natureza (essa natureza não é somente o ambiente, mas também o próprio ser em
desenvolvimento). Logo, a realidade natural, o mundo como se apresenta, é a
grande escola para o homem, pelo menos dos 0 aos 12 anos de idade. Assim,
Rousseau inicia a transformação da sociedade medieval (que não permitia espaço
para o indivíduo fora da comunidade, dos costumes, entendendo até que um modelo
de homem autossuficiente era pecado, porque tal homem não precisaria de Deus
nem da Igreja para se orientar) para a sociedade moderna em que o Emílio tem o
objetivo de: “[...] formar um homem livre, capaz de se defender contra todos os
constrangimentos. E, para formar um homem livre, há apenas um meio: tratá-lo
como um ser livre, respeitar a liberdade da criança.” (LAUNAY, 2004, p. XX).
Sendo assim,
A obra se apresentou de fato como um romance psicológico e como um
manifesto educativo [...], mas ao mesmo tempo é um tratado de antropologia
filosófica, enquanto expõe uma concepção precisa do homem natural, racional e
moral, além do itinerário da sua formação, e um texto político relevante. O
tema fundamental do Emílio consiste na teorização de uma educação do homem
enquanto tal (e não do homem como cidadão) através de seu “retorno à natureza”,
ou seja, à centralidade das necessidades mais profundas e essenciais da
criança, ao respeito pelos seus ritmos de crescimento e à valorização das
características específicas da idade infantil (CAMBI, 1999, p. 345).
Interessante
é observar que o sentido da palavra natureza assume três possíveis significados
ao longo de sua obra. O primeiro opõe-se àquilo que é social. O segundo, como
tudo o que é valorização das necessidades espontâneas das crianças e dos
processos livres de crescimento. O terceiro, como exigência de um contínuo
contato com um ambiente físico não urbano e, por isso, considerado mais
genuíno. Rousseau queria, com sua proposta, levar Emílio para fora dos
ambientes urbanos da época, para que ele não se deixasse influenciar por aquilo
que o autor chamava de corrupção, a saber, a forma como era praticada a
religião, especialmente o cristianismo católico e a política, para ele
tirânica, pré-revolucionária, da corte de Luís XVI.
Com uma
educação livre, no campo, sob os auspícios da natureza e, principalmente, sob
suas condições adversas e sob intempéries, Rousseau esperava que surgisse em
Emílio a vontade pela educação, isto é, o personagem rousseauniano não deveria
ser ensinado de forma dogmática, como era na escola tradicional, por
preceptores tradicionais que ensinavam lições com planos preestabelecidos. Para
Rousseau, este tipo de aula era tediosa, especialmente para as crianças, mas
sua didática compreendia o ensino a partir da necessidade: “[...] vede que
raramente cabe a vós propor o que ele deve aprender; cabe a ele desejá-lo,
procurá-lo, encontrá-lo; cabe a vós colocá-lo ao seu alcance, fazer habilmente
nascer esse desejo e fornecer-lhe os meios de satisfazê-lo” (ROUSSEAU, 2004, p.
235-6).
Rousseau
era contra as aulas em forma de discurso, como aparece em seu Terceiro Livro
(p. 236s.), no Emílio, em que narra uma aula de geografia, analisando que,
durante as lições sobre os pontos cardeais, de repente, em meio à sua
explicação, o aluno poderá interrompê-lo perguntando: “Para que tudo isso?”. Ao
que ele reflete:
De quantas coisas aproveitarei a oportunidade para instruí-lo em
resposta à sua pergunta, sobretudo se tivermos testemunhas para nossa conversa.
Falar-lhe-ei sobre a utilidade das viagens, sobre as vantagens do comércio,
[...] sobre os costumes dos diferentes povos, sobre o cálculo do retorno das
estações para a agricultura, sobre a arte da navegação, sobre a maneira de se
guiar no mar seguindo exatamente a rota, quando não se sabe onde se está [...]
(Ibid., p. 236-7).
Neste
trecho, o autor propõe sua didática. Quando o aluno está perdendo o interesse
pela aula, deve-se parar e refletir com ele se aquela aula não serve para nada.
Mas Rousseau não abandona simplesmente a lição, ele cria então uma situação
real em que Emílio
precisará da geografia para se orientar, com esperanças de que ele entenda o
sentido dos estudos de orientação.
Observávamos a posição da floresta de Montmorency quando ele me
interrompeu com sua inoportuna pergunta: Para que serve isso? Tens razão,
disse-lhe eu, precisamos pensar bastante nisso; e, se acharmos que este
trabalho não serve para nada, não voltaremos a ele [...] Ocupamo-nos com outra
coisa e não se fala mais de geografia pelo resto do dia (Ibid., p. 236).
Uma
grande lição de vida, para o garoto Emílio, é quando seu mestre simula que
estão perdidos em plena floresta e lhe pergunta: “Meu caro Emílio, como faremos
para sair daqui? Emílio: Não sei, estou cansado; estou com fome; estou com
sede; não aguento mais” (Ibid., p. 237-9).
No desfecho
da história, preceptor e mestre encontram com sucesso o caminho de casa para o
almoço. Portanto, a didática rousseauniana consiste em não propriamente ensinar
ao aluno o que não lhe interessa aprender, mas criar condições para que ele
aprenda pela necessidade natural, de acordo com a realidade/dificuldade que se
apresenta diante dele, para, deste modo, aprender o valor das lições que os
mestres ensinam, sem que seja obrigado, sem que tenha que memorizar o
conhecimento.
Conclusão
Para
Rousseau, importante era não confundir aprendizagem com aquisição de
conhecimentos (método natural), pois o conhecimento deve ser construído, e
todos possuem conhecimento. “Fazei com que o vosso pupilo esteja atento aos
fenômenos da natureza e, em breve, o tornareis curioso” (2004, p. 178).
Finalmente,
o método natural consiste em que a criança “aprenda por si só, que a razão
dirija a própria experiência [...] Se o vosso educando não aprender nada
convosco, aprenderá com os outros [...] A falta da prática do pensar, durante a
infância, retira dela essa faculdade para o resto da vida” (2004, p. 114-5). O
autor de Emílio entende razão no mesmo sentido dos iluministas, a saber, que
ela é o estabelecimento do raciocínio lógico, considerado conhecimento
inteligente, única faculdade que poderá, efetivamente, possibilitar a
existência de um homem livre, que, criado na liberdade e na igualdade, não
suporte a tirania ou a injustiça, nem aqueles que a pregam. Emílio é o modelo
por excelência de homem moderno, um homem que odeia a servidão sob todas as
suas formas.
De acordo
com os pressupostos de Rousseau, o homem deveria ser livre, sendo protagonista
de sua própria história, tendo o poder de criar, recriar e construir uma nova
realidade social. Nesse prisma, verifica-se a necessidade, no contexto atual,
de o homem pensar políticas públicas que garantam seus direitos e deveres, para
o pleno exercício de sua cidadania. Assim, faz-se necessário implantar
políticas públicas educacionais eficientes para a erradicação do analfabetismo
e a redução da reprovação e da evasão, na busca de transformar a sociedade.
Nesse sentido, a escola atual precisa vivenciar uma gestão democrática, que
permita a todos, coletivamente, participarem ativamente do processo de
transmissão, assimilação e produção de conhecimentos que perpassam a realidade
escolar, considerando que é através da escola que o sujeito aprendiz se liberta
da alienação e, assim, poderá tomar uma nova atitude enquanto agente político,
mudando a sua realidade social.
Referências
CAMBI,
Franco. História da Pedagogia. São Paulo: UNESP, 1999.
GADOTTI,
Moacir. História das Idéias Pedagógicas. 8. ed. São Paulo: Ática, 2005. LAUNAY,
Michel. Introdução ao Emílio ou da Educação. In: Emílio ou Da Educação. São
Paulo: Martins Fontes, 2004. ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou Da Educação. 3.
ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.
1 Artigo apresentado ao professor
Dr. Josênio Parente, como avaliação da disciplina: Teoria Política I, do Curso
d Mestrado Profissional em Planejamento em Políticas Públicas
da UECE, em convênio com o Governo do Estado do Amapá.
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